“Digo-lhes que certamente vocês chorarão e se lamentarão, mas o mundo se alegrará. Vocês se entristecerão, mas a tristeza de vocês se transformará em alegria. A mulher que está dando à luz sente dores, porque chegou a sua hora; mas, quando o bebê nasce, ela esquece a angústia, por causa da alegria de ter nascido no mundo um menino. Assim acontece com vocês: agora é hora de tristeza para vocês, mas eu os verei outra vez, e vocês se alegrarão, e ninguém lhes tirará essa alegria.”
João 16:20-22
Existe angústia na vida: nas dores, nos desejos não realizados, nas vontades longe do alcance, na incompreensão do outro, na solidão que grita (ainda que cercado de gente).
Contudo, geralmente dessas grandes dores e profundas angústias, renascemos diferentes, fortes, mais sábios.
Claro, apenas se soubermos, no meio da tempestade, tomar um fôlego e buscar abrigo.
Quero falar de dores. Eu sou bem resistente a elas e experimentei um pouco de tudo.
Desde o começo da puberdade, sofri severamente com cólicas bem fortes e já desmaiei na rua algumas vezes, acordando no hospital, com medicação intravenosa.
Eram os “cistos no ovário”, diziam os médicos. Essa dor me acompanha há duas décadas. Tenho duas hérnias de disco na lombar e, bem… isso dói muito.
De tempos em tempos, as crises se intensificam e por duas vezes fiquei sem conseguir me mover por uma semana, tamanha era a miserável dor.
Aí têm aquelas dores periféricas, como as tendinites, minha inflamação no pulso que foi tratada – em vão – com agulhas e choque, além de uma infecção urinária que também teve intervenções doloridas, como biópsia da bexiga sem anestesia.
Essas são as dores mais relevantes, obviamente, pois todos temos aquelas do cotidiano, como raladas, cortes, raspões, torções, quedas, fora as resultantes da academia…
E, ah, também tive a do parto. Eita que essa dói!
Não sei se dói mais a saída do bebê ou as contrações antes disso. De uma forma ou de outra, pensei que não aguentaria. É muita dor!
Dizem que as pedras no rim também doem muito e se assemelham à dor do parto, mas, como nunca as tive, não falo de dor que não é minha. É deselegante.
Aliás, deselegante é também a turma que compete com dor, já viu?! Um diz que dói o dedo, o outro que o braço todo dói, o terceiro enfatiza a dor no corpo todo, o quarto vem e diz que tem câncer.
Tipo: quer estrelinha na testa por ser portador da maior dor? Gente esquisita essa a do nosso tempo.
Tem uma dor que me comove: a que é provocada para esquecer outra dor.
Uma menina me procurou uma vez, e depois dela muitas outras, com seus braços e coxas talhados.
Ela se cortava seguidamente e, ao perguntar se não doía, me explicou: “Dói, mas, ao doer aqui, esqueço a dor da alma”.
Engoli em seco. Percebi que as dores incomodam, sim. Só que, ao conhecê-las, sabemos o que é viver sem elas, reconhecemos o alívio e, quando outras vem, conseguimos dimensionar.
O que tem nisso? Ora bolas, isso é muito valioso para não enlouquecer, minha cara leitora.
Ao experimentar as dores, ao se catalogar os níveis de sofrimento, ao tentar entender o que nos trouxe neste ponto e como nos sentimos aqui, somos capazes de compreender os erros, os acertos, tratar com mais sanidade as causas e as consequências da nossa vida.
Mas, não, o que fazemos o tempo todo? Evitamos a dor.
Lembro-me de que quando eu ganhei meu bebê, uma menina ainda muito nova me escreveu perguntando se parir doía.
Oxente, como assim não doeria? As mulheres respondiam que nem namorado tinham, levariam anos até chegar ao parto, mas que já pensavam em métodos indolores.
A cesariana era uma possibilidade real e tangível e louvavam a Deus pelos avanços anestésicos da medicina.
Não queriam dor.
Nada contra quem não quer sentir dor, mas viver dói e ao se evitar o tempo todo o mínimo sofrimento acaba-se, por vezes, sofrendo muito mais.
As dores precipitadas são aquelas pequenas decepções provocadas por atos e escolhas inconsequentes na tentativa de escapar da dor.
Assim, para não sofrer a dor da solidão, me entrego a um relacionamento frívolo, vazio, sem propósito. Sofro. Ou não sofro?
Para evitar a dor de fazer uma superdieta, caminho com meus quilos e minhas doenças por aí, adiando o que deveria me fazer viver melhor. E na não aceitação do meu corpo, nas mazelas da minha saúde, sofro. Ou não sofro?
Para não sofrer dos fins de semana em claro, estudando, e dos livros e mais livros pelos quais devo aprender as matérias para passar na prova, no teste, no concurso, sigo protelando a vida, o aprendizado, o nível de estudo a mais e, ao me encarar, sinto o fracasso pessoal e sofro. Ou não sofro?
Toda tentativa de evitar grandes dores nos fazem caminhar em dores frequentes, constantes, como aquele espinho na carne que poderia trazer alívio se retirado, mas que, por medo da dor da intervenção, me faz seguir sofrendo com essa “pequena” dor diária.
Eu pari, já contei. E, depois da maior dor da minha vida, veio a maior alegria. Mas eu não conheceria nem essa alegria, nem o alívio daquele sofrimento, sem primeiro experimentá-lo.
Quantas dores não superamos que se tivessem sido evitadas, não nos fariam fortes. Tipo dor de musculação. Ao levantar o peso, as fibras musculares se rompem, dá uma dor e tanto, mas, ao “cicatrizar”, o músculo fica ainda mais forte e firme.
Os profissionais de educação física talvez me crucifiquem por uma simplificação tão ordinária desse processo – e com razão -, mas é só para você entender que essa dor aí, embora tão intensa quanto possa parecer, ainda assim tem tudo para fazê-la mais forte, mais firme, mais sábia… ou seja, mais.
Olhe para todas as facetas dela, o que a provocou e – sobretudo – o que pode fazer com o que ela fez a você.