MENOS É MENOS MESMO

“Contudo, se vocês abrigam no coração inveja amarga e ambição egoísta, não se gloriem disso, nem neguem a verdade. Esse tipo de “sabedoria” não vem do céu, mas é terrena, não é espiritual e é demoníaca. Pois onde há inveja e ambição egoísta, aí há confusão e toda espécie de males.”


Tiago 3:14-16

Já contei num outro livro meu sobre a saga consumista por sapatos que tomou conta do meu ser numa época da vida, e que vez ou outra se descontrola e me toma de assalto. 

Uma fraqueza. Na onda dos influenciadores digitais, que realmente influenciam o nosso consumo, se endividar, comprar tudo e aproveitar cada “barganha” que se apresenta é quase uma regra na vida da maioria de nós. 

A internet, um grande shopping disfarçado de notícias, redes sociais, informações (falsas e verdadeiras) e nós, ali no meio, passeando pelas atrações e nos sentindo nus e vazios sem as coisas “incríveis” que todo mundo tem e posta.


O terrível disso tudo é que viver virou consumir. Só isso! 

É como se meu trabalho, meus recursos, meu tempo, minhas relações e até meus sonhos se resumissem a comprar, e a ter sempre mais. 

Aliás, essa parte do “ter sempre mais” é que pega muitos de nós. Nesse sentido, há uma insatisfação constante que só aparenta satisfação no acúmulo excessivo. 

Não basta um sapato, preciso de dois, três, dez – embora só tenha um par de pés e bem poucas ocasiões para tanta variedade. 

Não serve um ou dois pratos bem feitos à mesa, é preciso acumular receitas, sabores, volume no estômago. Os almoços de domingo que o digam. 

De nada adianta uma televisão na casa, pois, embora vivamos juntos, nunca estivemos tão separados, daí, que razão há em se juntar para assistir TV em família? Coisa do século passado, eu sei…


Consumo desenfreado e acúmulo de itens não se restringem ao cotidiano, vão além e permeiam até a vida espiritual. 

Ou você não notou ainda como as igrejas têm sempre mais e mais e mais? Mais shows, projetos, programas, atrações especiais e por aí vai. 

Nessa onda do “mais” , o que menos se vê é espiritualidade de verdade, cristãos legítimos, transformação genuína e testemunho vivo de quem frequenta esses ambientes.


Acumulamos coisas que até podemos mostrar, que até podem causar inveja num âmbito mais superficial, todavia aquela profundidade do ser, aquele entendimento de quem somos, de onde viemos e para onde vamos, aquilo que os outros podem até perceber, mas não compreendem de todo (pois trata-se da intangível riqueza do ser), isso… ah, isso não temos.


É preciso uma ruptura, uma pausa, uma virada – às vezes brusca – para percebermos que basta. 

Em muitas famílias, a perda traumática de todos os bens, da saúde, ou ainda, em última instância, de uma vida, pode transformar as relações e despejar um precioso colírio sobre os olhos que, agora, se descobrem humanos, se valorizam, seja no pouco que têm ou no que resta. 

No trágico, temos uma chance de nos consertar, de nos ajustar, de ver o essencial. Como aquela frase clássica e repetida aos milhares do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry: “O essencial é invisível aos olhos”.


Uma vez, no entanto, eu pude ver. Ao esperar três meses pela casa que iríamos morar, no interior de São Paulo, vindo de uma viagem com toda a mudança num depósito, vivi com uma mala de mão e uma outra de 20 kg.

Meu esposo e eu achávamos que essa situação se estenderia por apenas um mês, então juntamos apenas aquilo que era “básico e necessário” para esse período, levando em conta nossa rotina, que se alternava entre a vida privada, estudando e escrevendo em casa, e a pública, fazendo palestras, pregações e gravações. 

Tínhamos apenas algumas roupas que combinavam entre si, uns sapatos neutros que combinariam com todas elas, o básico dos cosméticos e uns poucos livros que estávamos lendo no período. Bom, como já antecipei, não foi só um mês.

Foi interessante perceber que, apesar do tanto que tínhamos, poderíamos viver – e viver bem – com menos, bem menos. Além disso, realmente havia menos preocupação em arrumar, guardar, cuidar. 

Valorizamos mais o que podíamos acessar e a vida ficou mais leve. Aquela experiência nos marcou tanto que, anos depois, quando resolvemos viver em Londres por algum tempo, adotamos o “menos é mais” como estilo de vida.

Menos móveis, utensílios, roupas, apetrechos, livros e gente. Sim, tem um tipo de gente que pesa, entulha a vida. E, nessa de decidir ter menos, também olhávamos menos para os outros, para as vitrines da vida, cada vez mais gratos com o que tínhamos.


Não que haja de fato algum pecado em ter coisas por si só, em comprar uma casa, um carro, ou em enfeitar sua sala ou seu corpo, mas há, sim, um pecado nesse estilo mental e comportamental: a não aceitação do que se tem, a ingratidão pelo que já se conquistou e a eterna inveja, ainda que não confessada, do que os outros ostentam ter.


Essa ambição consumista, que corrói como ácido nossos dias e nossas boas intenções, nutre o egoísmo pérfido dominante na maioria dos ambientes que frequentamos, sejam eles espirituais ou não.

Se você escolher esse caminho do “menos”, de ter apenas o essencial, o básico, e do treinamento de contentamento e gratidão, talvez olhem torto para você por aí e a tentação de se equiparar novamente à massa será grande. 

Tentações foram feitas para serem resistidas, não se esqueça!

Além de que um pouco de piedade dessa gente cai bem. Aliás, pouca não: nesse caso, muita piedade mesmo!

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