COMPREI UM FONE

“Aquele que anda corretamente e fala o que é reto, que recusa o lucro injusto, cuja mão não aceita suborno, que tapa os ouvidos para as tramas de assassinatos e fecha os olhos para não contemplar o mal, é esse o homem que habitará nas alturas; seu refúgio será a fortaleza das rochas; terá suprimento de pão, e água não lhe faltará.”

Isaías 33:15-16

Sabe aqueles fones chiques, grandes, confortáveis, que tampam toda a orelha e ainda têm o botãozinho de noise cancelling, pelo qual, através de ondas reversas – o que quer que isso signifique -, cancelam todo o ruído externo? Então, eu namorei um desses por três anos.


O que ele tem de maravilhoso, tem de caro, e, toda vez que o contemplava, eu pensava o quanto meu bolso andava frágil. Tentava racionalizar. Porém, um dia, depois de oito horas de viagem entre Londres e Boston, tentando editar, sem sucesso, um vídeo com meus fones frágeis e velhos, decidi: “Vou me dá-lo de presente”.


Na hora de comprar, contemplei de novo o preço, liguei para o meu marido da loja e argumentei um pouco na tentativa de convencê-lo, apenas para ouvir de volta com surpresa: “Querida, não aguento mais ouvir você falar desse fone, compre de uma vez por todas e considere como seu presente de Natal”. 

Oh! Comprei o bendito e saí saltitando da loja com meus anfitriões provavelmente entediados de tanto ouvir das benesses do tal aparelho.

 

Fiz todo mundo testá-lo só para olhar satisfeita e serelepe para cada um deles ao constatar que, sim, ele cancelava todo barulho. Falávamos, contávamos piada, e a pessoa com o fone e a música ligada não ouvia nada. 

Que maravilha.


A mágica era o tal do botão de “cancelar barulho”. Eu o tenho até hoje, amo viajar com ele e simplesmente selecionar o que vou ouvir, ficando automaticamente imune a todo ruído indesejado ao redor. 

Afinal, o ruído vai sempre existir, seja nos comentários sobre o tempo, no grito e no funk do telefone ao lado, na pessoa da frente, enfim, dos inevitáveis contatos humanos, mas… – sempre tem um “mas” – e se eu não quiser ouvi-lo?


É isso que acho o máximo nesse aparelho e sei que pareço infantil e extasiada demais, contudo, sou uma entusiasta de uma prática de noise cancelling na vida. 

Sei que vou parecer pouco empática, querida ou talvez o decepcione um bocado, cara leitora, mas a realidade é esta: de vez em quando gosto de ligar o botãozinho e não escutar nada além dos barulhos dos meus próprios pensamentos que, sim, são um tanto estridentes. 

Eu sorrio, olho fixamente para um ponto insuspeito e o ligo.


Vai dizer que você nunca teve vontade de fazer isso na vida, na rotina, com alguém chato, com uma situação em que tudo o que você precisava era de silêncio para entender o que estava se passando, para processar tudo, para saber o que era mesmo que você queria falar? 

Só que aí as pessoas falam, gritam, xingam, berram e enfiam suas vozes irritantes dentro do nosso cérebro como se fosse um direito adquirido, tipo usucapião. Não é!


Tem gente ao nosso redor que acredita piamente ter o direito de cuspir todas as palavras do mundo só porque tem boca. Bom, eu tenho ouvido e não quero te ouvir, e aí? 

E aí que eu ligo meu botão mágico de cancelar barulho e entro no meu direito, no meu espaço, no meu reino de sanidade.


Tem barulho demais no mundo, é muita gente falando o tempo todo, opinando, sabendo, impondo, enquanto eu só quero ouvir o silêncio da minha dúvida ou da minha certeza. 

Por acaso isso não está certo também?


Por isso que ao me deparar com esse texto de Isaías penso: “Amém!”. Já faz tempo que o povo quer tapar os ouvidos para não ouvir desgraça, fechar os olhos para não ver o mal. 

E esse povo tá bem, viu? Ele habitará nas alturas e a rocha será sua fortaleza, haverá mantimento e suprimento certos. Olha a Bíblia me socorrendo de novo. Afinal, nada mais humano que querer deixar de ouvir de vez em quando.

Não é falta de empatia, é necessidade de apatia para achar a si mesmo. 

Se ouço demais o que todo mundo diz, posso perder minha própria voz, daí… daí estou perdida, pois já não saberei quem sou eu ou quem são os outros.

 

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